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Juçara Marçal e Kiko Dinucci retornam com show duplo ao Circo Voador

Shows são experiências sensoriais, a partir do contato direto com a trajetória musical e da construção estética de um artista. No palco, onde o artista se coloca, essa experiência é expandida à medida em que o público entende e aceita que também faz parte do show. É no ao vivo onde o artista apresenta seu trabalho, e o público recebe, numa troca simultânea.

Quem frequenta o Circo Voador sabe que, ao longo de quarenta anos, este é um espaço que abriu as portas para atrair fãs de música – fãs e músicas de todos os jeitos e gêneros que atravessam o tempo. Quando olhamos para história do Circo, sabemos que este é um palco frequentado por gigantes da música, mas que também acolhe quem tá chegando só agora como nenhum outro lugar no Rio.

No palco do Circo, à espera deste público que foi se tornando fiel e exigente, Juçara Marçal e Kiko Dinucci, parceiros de longa data com o grupo Metá Metá, além de outros projetos paralelos, apresentam os shows de seus trabalhos mais recentes. O aquecimento da pista ficou por conta do DJ Ramemes, talento que veio do interior do Rio, e antes de apresentar o primeiro show da noite, o mestre de cerimônias da casa DJ Lencinho enalteceu o trabalho do selo independente QTV, responsável pelo lançamento dos dois álbuns, e pela iniciativa provocativa de juntar atos de diferentes espaços. É mais um reconhecimento de um trabalho que não tem sustentação de grandes gravadoras e distribuidoras, e se apoia na qualidade de uma produção musical que não depende de hits comerciais ou de estar entre as músicas mais tocadas nos streamings.

Na noite do dia 28 de outubro, nos preparávamos para votar no segundo turno das eleições, com a esperança enorme de dar adeus à política do ódio de uma vez por todas. Com a bandeira de Lula pendurada no alto do palco, Kiko Dinucci não precisou de muito além do violão e das quatro cantoras de apoio (entre as quais estava Juçara) para dar seu recado. Ele se apresenta com a segurança de quem sabe que é um dos poucos de sua geração a ter um toque tão característico, desses que se reconhece só de ouvir. A apresentação foi curta, mas trouxe a esperança em dias melhores que a gente precisava ter para enfrentar um domingo histórico e decisivo.

Toda de vermelho, Juçara Marçal retorna ao palco para apresentar seu Delta Estácio Blues, disco lançado em 2021 com produção musical assinada por Kiko, e que rendeu prêmios como Disco do Ano da APCA 2021, Álbum do Ano e Produtor do Ano no Prêmio Multishow 2021 e, mais recentemente, a indicação ao Grammy Latino, na categoria Melhor Álbum de Rock/Música Alternativa em língua portuguesa.

Começando com ‘Vi de Relance a Coroa’, parceria com Siba e uma das favoritas dos fãs, desemboca no arranjo da bateria com uma progressão elétrica em ‘Sem Cais’, composta com Negro Leo. Essa sequência define bem o que é ver Juçara no palco: quem rouba a cena aqui é a presença da cantora e sua voz marcante, aliada à produção musical impecável, que emojis não seriam mesmo capazes de classificar. Kiko volta ao palco agora no comando dos sintetizadores, orquestrando ao lado de Marcelo Cabral (baixo) e Alana Ananias (bateria) uma explosão de energia que não necessita de grandes cenografias ou jogo de luzes para deixar o Circo Voador em ponto de ebulição.

Na companhia da guitarra de Kiko, a cantora resgata ‘Antonico’, composição de Ismael Silva, um dos fundadores da Deixa Falar, a primeira escola de samba de que se tem notícia, para dar sequência com ‘Não Reparem’, música que faz parte do EPDEB, EP com quatro músicas lançado posteriormente, que complementam o disco. Momentos depois do samba do Estácio, o show se transforma numa pista de música eletrônica ou algo similar, que só os sintetizadores de Kiko são capazes de assimilar.

Antes do encerramento, deu tempo para um bis de ‘Sem Cais’ com Negro Leo surgindo da plateia para se apresentar no palco, e de Thiago França aparecer com o sax para uma canja do Metá em ‘Odumbiodé’ e ‘Obá Iná’. O Circo Voador em fresta abriu caminhos para o rei, para a esperança em toda mudança que há de vir.


Texto publicado originalmente no blog The Low Key em  06/12/2022